Processo |
Ag 796842 |
Relator(a) |
Ministro LUIZ FUX |
Data da Publicação |
DJ 07.11.2006 |
Decisão |
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 796.842 – SP (2006/0160582-0) RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX AGRAVANTE : ESPAÇO PROPAGANDA LTDA ADVOGADO : JOSE RENA E OUTROS AGRAVADO : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO PROCURADOR : FERNANDO DIAS FLEURY CURADO E OUTROS DECISÃO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ISS. TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. TESE DOS CINCO MAIS CINCO. LEI COMPLEMENTAR 118, DE 09 DE FEVEREIRO DE 2005. JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. 1. A Primeira Seção reconsolidou a jurisprudência desta Corte acerca da cognominada tese dos cinco mais cinco para a definição do termo a quo do prazo prescricional das ações de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos a título de tributo sujeito a lançamento por homologação, desde que ajuizadas até 09 de junho de 2005 (EREsp n.º 327.043/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 27/04/2005). 2. Deveras, naquela ocasião restou assente que: “… a Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, aplica-se, tão somente, aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial, pelo que o novo regramento não é retroativo mercê de interpretativo. É que toda lei interpretativa, como toda lei, não pode retroagir. Outrossim, as lições de outrora coadunam-se com as novas conquistas constitucionais, notadamente a segurança jurídica da qual é corolário a vedação à denominada ‘surpresa fiscal’. Na lúcida percepção dos doutrinadores, ’em todas essas normas, a Constituição Federal dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal.’ (Humberto Ávila in Sistema Constitucional Tributário, 2004, pág. 295 a 300)”. (Voto-vista proferido por este relator nos autos dos EREsp n.º 327.043/DF) 3. Conseqüentemente, o prazo prescricional para a repetição ou compensação dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, nas demandas ajuizadas até 09 de junho de 2005, começa a fluir decorridos 05 (cinco) anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio computado desde o termo final do prazo atribuído ao Fisco para verificar o quantum devido a título de tributo. 4. Agravo de instrumento conhecido para dar provimento ao próprio recurso especial (Art. 544, § 3º, CPC) Trata-se de agravo de instrumento interposto por ESPAÇO PROPAGANDA LTDA contra a decisão de fls. 74/75 que negou seguimento ao recurso especial com base no argumento de que o dissídio jurisprudencial não restou configurado, nos moldes processuais e regimentais previstos. Noticiam os autos que a ora agravante propôs ação ordinária de repetição de indébito, ou compensação tributária, em razão do pagamento indevido de ISS no período de 1992 a 1995. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau. Um dos fundamentos da r. sentença foi que, em relação ao tributo pago anteriormente a 22.9.93, houve prescrição. Inconformada, a empresa apelou. Uma das teses defendidas foi que a prescrição reconhecida não ocorreu porque o fisco municipal ainda não tinha homologado o tributo. A Décima Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, respeitada a prescrição quinquenal. Do voto condutor do v. aresto recorrido extrai-se o seguinte excerto: “Conforme bem anotado pelo d. juiz, houve a prescrição quinquenal anteriormente a 22.9.93, isso porque, o reconhecimento administrativo por parte da Municipalidade de que o tributo era inconstitucional (omissis) não tem o condão de interromper ou suspender a fluência do prazo prescricional”. Irresignada com os termos no v. acórdão recorrido, a ora agravante interpôs recurso especial, com fulcro na alínea “c” do permissivo constitucional, em cujas razões aduz a existência de dissenso interpretativo, acerca do prazo prescricional para a ação re repetição de indébito de tributos sujeitos a lançamento por homologação. Assevera que, enquanto o Tribunal a quo definiu tal prazo em cinco anos, o STJ preconiza entendimento segundo o qual o prazo para a restituição dos tributos sujeitos a homologação é de dez anos, sendo cinco anos até a homologação tácita do lançamento, mas cinco anos para pleitear a restituição dos tributos que antecipou o pagamento. Contra-razões ofertadas pelo recorrido, onde consigna que o direito de pleitear a restituição extingue-se em cinco anos, a contar da data da extinção do crédito tributário -art. 168, I, CTN -, que se dá, no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o art. 150, § 1º, do CTN – Art. 3º, Lei Complementar n.º 118/2005, que deu interpretação ao art. 168, I, do CTN. Assevera, outrossim, que a Lei Complementar n.º 118/2005 tem caráter retroativo, por expressa determinação do art. 106, I, do CTN. Relatados, decido. Presentes as peças indispensáveis à formação do instrumento, e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, merece ser conhecido o presente agravo, pelo que passo à análise do próprio recurso especial. Conheço do apelo no que tange à divergência jurisprudencial e tenho que assiste razão à recorrente. No que pertine à prescrição da ação de repetição/compensação dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a Primeira Seção deste Tribunal Superior, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n.º 435.835/SC, pacificou o entendimento de que deve ser aplicada a tese dos 05 (cinco) mais 05 (cinco), restando irrelevante, para o estabelecimento do termo a quo do prazo prescricional, eventual declaração de inconstitucionalidade do tributo pelo Pretório Excelso. Conseqüentemente, o prazo prescricional para a repetição ou compensação dos tributos sujeitos a lançamento por homologação começa a fluir decorridos 05 (cinco) anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio computado desde o termo final do prazo atribuído ao Fisco para verificar o quantum devido a título de tributo. Confira-se a ementa do referido julgado: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI Nº 7.787/89. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL DO PRAZO. PRECEDENTES. 1. Está uniforme na 1ª Seção do STJ que, no caso de lançamento tributário por homologação e havendo silêncio do Fisco, o prazo decadencial só se inicia após decorridos 5 (cinco) anos da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio, a partir da homologação tácita do lançamento. Estando o tributo em tela sujeito a lançamento por homologação, aplicam-se a decadência e a prescrição nos moldes acima delineados. 2. Não há que se falar em prazo prescricional a contar da declaração de inconstitucionalidade pelo STF ou da Resolução do Senado. A pretensão foi formulada no prazo concebido pela jurisprudência desta Casa Julgadora como admissível, visto que a ação não está alcançada pela prescrição, nem o direito pela decadência. Aplica-se, assim, o prazo prescricional nos moldes em que pacificado pelo STJ, id est, a corrente dos cinco mais cinco. 3. A ação foi ajuizada em 16/12/1999. Valores recolhidos, a título da exação discutida, em 09/1989. Transcorreu, entre o prazo do recolhimento (contado a partir de 12/1989) e o do ingresso da ação em juízo, o prazo de 10 (dez) anos. Inexiste prescrição sem que tenha havido homologação expressa da Fazenda, atinente ao prazo de 10 (dez) anos (5 + 5), a partir de cada fato gerador da exação tributária, contados para trás, a partir do ajuizamento da ação. 4. Precedentes desta Corte Superior. 5. Embargos de divergência rejeitados, nos termos do voto.” (Rel. Min. Peçanha Martins, Relator para acórdão Ministro José Delgado, julgado em 24/03/2004) Destarte, sobre o tema, tem-se recente decisão proferida pela Primeira Seção, em 27/04/2005, nos autos do EREsp n.º 327.043/DF, da relatoria do e. Ministro João Otávio de Noronha, reconsolidando a jurisprudência desta Corte acerca da cognominada tese dos cinco mais cinco para a definição do termo a quo do prazo prescricional das ações de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos a título de tributo sujeito a lançamento por homologação, desde que ajuizadas até 09 de junho de 2005. Deveras, acerca da aplicação da Lei Complementar n.º 118/2005, restou assente que: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. LC 118/2005. LEI INTERPRETATIVA. RETROATIVIDADE. 1. Assentando os estágios do pensamento jurídico das Turmas de Direito Público, é possível sintetizar que, superadas as matérias divergentes entre colegiados com a mesma competência ratione materiae e a natureza dialética da ciência jurídica, a Primeira Seção desta Corte passou a concluir que: a) nas ações em que se questiona a devolução (repetição ou compensação) de tributos lançados por homologação não declarados inconstitucionais pelo STF, aplica-se a tese dos “cinco mais cinco”, vale dizer, 5 (cinco) anos de prazo decadencial para consolidar o crédito tributário a partir da homologação expressa ou tácita do lançamento e 5(cinco) anos de prazo prescricional para o exercício da ação; b) nas ações em que se questiona a devolução (repetição ou compensação) de tributos lançados por homologação declarados inconstitucionais pelo STF, o termo a quo da prescrição era: 1) a data da publicação da resolução do Senado Federal nas hipóteses de controle difuso de constitucionalidade (EREsp 423.994/MG); e 2) a data do trânsito em julgado da decisão do STF que, em controle concentrado, concluiu pela inconstitucionalidade do tributo (REsp 329.444/DF). 2. Mister destacar que essa corrente jurisprudencial fundou-se em notável sentimento ético-fiscal considerando o contribuinte que, fincado na presunção de legalidade e legitimidade das normas tributárias, adimplira a exação e surpreendido com a declaração de inconstitucionalidade difusa entrevia a justa oportunidade de se ressarcir daquilo que pagara de boa-fé. Ressoava injusto impor-lhe a prescrição da data do pagamento que fizera, baseado na atuação indene do legislador. 3. Evoluindo em face de sua mutação ideológica, posto alterada in personae na sua composição, a Seção de Direito Público no último período ânuo, uniformizou essa questão do tempo nas relações tributárias, firmando o entendimento de que: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. 1. Versando a lide tributo sujeito a lançamento por homologação, a prescrição da ação de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos deve obedecer o lapso prescricional de 5 (cinco) anos contados do término do prazo para aquela atividade vinculada, a qual, sendo tácita, também se opera num qüinqüênio. 2. O E. STJ reafirmou a cognominada tese dos 5 (cinco) mais 5 (cinco) para a definição do termo a quo do prazo prescricional, nas causas in foco, pela sua Primeira Seção no julgamento do ERESP nº 435.835/SC, restando irrelevante para o estabelecimento do termo inicial da prescrição da ação de repetição e/ou compensação, a eventual declaração de inconstitucionalidade do tributo pelo E. STF. 3. Conseqüentemente, o prazo prescricional para a repetição ou compensação dos tributos sujeitos a lançamento por homologação começa a fluir decorridos 5 (cinco) anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio computado desde o termo final do prazo atribuído ao Fisco para verificar o quantum devido a título de tributo. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg RESP 638.248/PR, 1ª Turma, desta relatoria, DJU de 28/02/2005) 4. Sedimentada a jurisprudência, a bem da verdade, em inquietante ambiente, porquanto, no seu âmago, entendia a Seção que tangenciara o pressuposto da lesão ao direito e a correspondente actio nata, em prol de uma definição jurisprudencial nacional e de pacificação das inteligências atuantes no cenário jurídico, adveio a LC 118/2005, publicada no D.O.U. de 09/02/2005 e, com o escopo expresso de “interpretar” o art. 168, I, do CTN, que assenta que: “O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito tributário;”, dispôs no seu art. 3º: “Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.” Complementando, no art. 4º arrematou: “Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.” 5. Muito embora a Lei o faça expressamente, a doutrina clássica do tema assentou a comtemporaneidade da Lei interpretativa à Lei interpretada, aplicando-se-lhe aos fatos pretéritos. Aspecto de relevo que assoma é a verificação sobre ser a novel Lei, na parte que nos interessa, efetivamente interpretativa. 6. Sob esse ângulo, é cediço que Lei para ser considerada interpretativa, deve assim declarar-se e não criar direito novo, sem prejuízo de assim mesmo ter seu caráter interpretativo questionado. Nesse sentido extrai-se da doutrina do tema que: Denominam-se leis interpretativas as que têm por objeto determinar, em caso de dúvida, o sentido das leis existentes, sem introduzir disposições novas. {nota: A questão da caracterização da lei interpretativa tem sido objeto de não pequenas divergências, na doutrina. Há a corrente que exige uma declaração expressa do próprio legislador (ou do órgão de que emana a norma interpretativa), afirmando ter a lei (ou a norma jurídica, que não se apresente como lei) caráter interpretativo. Tal é o entendimento da AFFOLTER (Das intertemporale Recht, vol. 22, System des deutschen bürgerlichen Uebergangsrechts, 1903, pág. 185), julgando necessária uma Auslegungsklausel, ao qual GABBA, que cita, nesse sentido, decisão de tribunal de Parma, (…) Compreensão também de VESCOVI (Intorno alla misura dello stipendio dovuto alle maestre insegnanti nelle scuole elementari maschili, in Giurisprudenza italiana, 1904, I,I, cols. 1191, 1204) e a que adere DUGUIT, para quem nunca se deve presumir ter a lei caráter interpretativo – “os tribunais não podem reconhecer esse caráter a uma disposição legal, senão nos casos em que o legislador lho atribua expressamente” (Traité de droit constitutionnel, 3a ed., vol. 2o, 1928, pág. 280). Com o mesmo ponto de vista, o jurista pátrio PAULO DE LACERDA concede, entretanto, que seria exagero exigir que a declaração seja inseri da no corpo da própria lei não vendo motivo para desprezá-la se lançada no preâmbulo, ou feita noutra lei;”(Eduardo Espinola e Eduardo Espinola Filho in A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Vol. I, 3a ed., pág. 294 a 296, grifamos) 7. “Encarada a questão, do ponto de vista da lei interpretativa por determinação legal, outra indagação, que se apresenta, é saber se, manifestada a explícita declaração do legislador, dando caráter interpretativo, à lei, esta se deve reputar, por isso, interpretativa, sem possibilidade de análise, por ver se reúne requisitos intrínsecos, autorizando uma tal consideração.” Sob essa ótica “SAVIGNY coloca a questão nos seus precisos termos, ensinando: “trata-se unicamente de saber se o legislador fez, ou quis fazer uma lei interpretativa, e, não, se na opinião do juiz essa interpretação está conforme com a verdade” (System des heutigen romischen Rechts, vol. 8o, 1849, pág. 513). Mas, não é possível dar coerência a coisas, que são de si incoerentes, não se consegue conciliar o que é inconciliável. E, desde que a chamada interpretação autêntica é realmente incompatível com o conceito, com os requisitos da verdadeira interpretação (v., supra, a nota 55 ao n° 67), não admira que se procurem torcer as conseqüências inevitáveis, fatais de tese forçada, evitando-se-lhes os perigos. Compreende-se, pois, que muitos autores não aceitem o rigor dos efeitos da imprópria interpretação. Há quem, como GABBA (Teoria delta retroattività delle leggi, 3a ed., vol. 1o, 1891, pág. 29), que invoca MAILHER DE CHASSAT (Traité de la rétroactivité des lois, vol. 1o, 1845, págs. 131 e 154), sendo seguido por LANDUCCI (Trattato storico-teorico-pratico di diritto civile francese ed italiano, versione ampliata del Corso di diritto civile francese, secondo il metodo dello Zachariæ, di Aubry e Rau, vol. 1o e único, 1900, pág. 675) e DEGNI (L’interpretazione della legge, 2a ed., 1909, pág. 101), entenda que é de distinguir quando uma lei é declarada interpretativa, mas encerra, ao lado de artigos que apenas esclarecem, outros introduzido novidade, ou modificando dispositivos da lei interpretada. PAULO DE LACERDA (loc. cit.) reconhece ao juiz competência para verificar se a lei é, na verdade, interpretativa, mas somente quando ela própria afirme que o é. LANDUCCI (nota 7 à pág. 674 do vol. cit.) é de prudência manifesta: “Se o legislador declarou interpretativa uma lei, deve-se, certo, negar tal caráter somente em casos extremos, quando seja absurdo ligá-la com a lei interpretada, quando nem mesmo se possa considerar a mais errada interpretação imaginável. A lei interpretativa, pois, permanece tal, ainda que errônea, mas, se de modo insuperável, que suplante a mais aguda conciliação, contrastar com a lei interpretada, desmente a própria declaração legislativa.” Ademais, a doutrina do tema é pacífica no sentido de que: “Pouco importa que o legislador, para cobrir o atentado ao direito, que comete, dê à sua lei o caráter interpretativo. É um ato de hipocrisia, que não pode cobrir uma violação flagrante do direito” (Traité de droit constitutionnel, 3ª ed., vol. 2º, 1928, págs. 274-275).” (ob. cit., pág. 294 a 296) 8. Forçoso concluir que a Lei interpretativa para assim ser considerada, não pode “encerrar qualquer inovação; essa opinião corresponde à fórmula corrente” e deve obedecer aos seguintes requisitos: “a) não deve a lei interpretativa introduzir novidade, mas dizer somente o que pode reconhecer-se virtualmente compreendido na lei precedente; b) não deve modificar o disposto na lei precedente, mas explicar, declarar aquilo que, de modo mais ou menos imperfeito, já se continha na lei preexistente (acórdão de 12 de abril de 1900, in Foro italiano, 1900, I, pág. 978).” (ob. cit., pág. 294 a 296) 9. Deveras, em sendo interpretativa, põe-se a questão de sua aplicação imediata ou retroativa, porquanto o CTN, no art. 106, é cristalino ao admitir a sua incidência aos fatos geradores pretéritos, ressalvados os consectários punitivos por eventual infração ao dispositivo ora aclarado e está em pleno vigor, posto jamais declarado inconstitucional. É cediço que essa retroatividade é apenas aparente. “A doutrina francesa, seguindo a opinião tradicional, entende não constituir direito novo a lei interpretativa, pois se imita a declarar, a precisar a lei que preexiste, tornando-a mais clara e de mais fácil aplicação; não é, assim, uma lei nova, que possa entrar em conflito com a interpretada, confunde-se, invés, com esta, faz corpo com ela. E os autores italianos não dissentem dessa opinião, que tem repercussão internacional. Como nos ilustrou a relação da legislação comparada, códigos há, como o austríaco (art. 8o), que ligam uma importância considerável à interpretação da lei pelo próprio legislador; outros, como o argentino (art. 4o), apenas ressalvaram a não incidência dos casos julgados, sob os efeitos das leis, que têm por objeto esclarecer ou interpretar anteriores; o que também resulta do art. 9o, 2a al., do Código chileno, dando as leis, que se limitam a declarar o sentido de ottras, como incorporadas a estas, sem afetarem os efeitos das sentenças judiciais, executórias no período intermédio; o português proclama (art. 8o) a aplicação retroativa da lei interpretativa, reduzindo-a, porém, a nada a ressalva de não ofender direitos adquiridos.” “Nosso direito positivo, aliás harmonicamente com a boa doutrina sustentada desde o tempo do Império, e com os ensinamentos dos autores, que analisam sistemas semelhantes ao pátrio,o alcance da questão ainda diminui, eis que a lei, seja embora rotulada como interpretativa, ou assim reconhecida, nunca terá, só por isso, a virtude de retroagir, em detrimento de situações jurídicas definitivamente constituídas.” (ob. cit., pág. 294 a 296) 10. O STF, através da pena de seus integrantes, já assentou: “O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, em trabalho intitulado ‘O princípio da irretroatividade da lei tributária’, afirma, com fundamento na lição de Pontes de Miranda, que ‘não há falar, na ordem jurídica brasileira, em lei interpretativa com efeito retroativo’. Assevera o ilustre Ministro que:’A questão deve ser posta assim: se a lei se diz interpretativa e nada acrescenta, nada inova, ela não vale nada. Se inova, ela vale como lei nova, sujeita ao princípio da irretroatividade. Se diz ela que retroage, incorre em inconstitucionalidade e, por isso, nada vale.’ (ob. cit., p. 20)” (Mário Luiz Oliveira da Costa, de 23/02/2005, a ser publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 115, com circulação prevista para o mês de abril de 2005) 11. A doutrina nacional também admite a Lei interpretativa, sem eiva de inconstitucionalidade. “Hugo de Brito Machado pondera que o art. 106, I do CTN não foi ainda declarado inconstitucional, de modo que continua integrando o nosso ordenamento jurídico. Admite, assim, a existência de leis meramente interpretativas, que não inovariam propriamente, mas apenas se limitariam a esclarecer dúvida atinente ao dispositivo anterior. Ressalva, contudo, não ser permitido ao Estado ‘valer-se de seu poder de legislar para alterar, em seu beneficio, relações jurídicas já existentes'” (art. cit.) 12. O STJ já declarou, v.g., que “que a Lei n° 9.528/97, ao explicitar em que consiste ‘a atividade de construção de imóveis’, veicula norma restritiva do direito do contribuinte, cuja retroatividade é vedada, enquanto a Lei n° 9.779/99, por força do princípio constitucional da não-cumulatividade e sendo benéfica aos contribuintes, teria caráter meramente elucidativo e explicitador,nítida feição interpretativa, podendo operar efeitos retroativos para atingir a operações anteriores ao seu advento, em conformidade com o que preceitua o artigo 106, inciso I, do Código Tributário Nacional. Entendeu a mesma Corte que a igualmente benéfica dispensa constante da MP 2.166-67, de 24/08/2001, da apresentação, pelo contribuinte, de ato declaratório do IBAMA, com a finalidade de excluir da base de cálculo do ITR as áreas de preservação permanente e de reserva legal, é de cunho interpretativo, podendo, de acordo com o permissivo do art. 106, I, do CTN, aplicar-se a fatos pretéritos.” (art. cit.) 13. A severa perplexidade gerada pelo advento da novel Lei tantas décadas após, não a torna inconstitucional, tanto mais que, consoante reavivado, a jurisprudência vinha oscilando, e a ratio da Lei interpretativa é exatamente conceder um norte para a adoção de regramentos dúbios, sem, contudo, impedir a interpretação que se imponha à própria Lei interpretativa. 14. Ademais, é manifestação jurisprudencial da nossa mais alta Corte que: “(…)As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em conseqüência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e a interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional. (…) O princípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao “status libertatis” da pessoa (CF, art. 5º XL), (b) ao “status subjectionis” do contribuinte em matéria tributaria (CF, art. 150, III, “a”) e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5º, XXXVI). Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. ” (ADI MC 605/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJU 05/03/1993) Nesse segmento, e sob essa luzes, é imperioso analisar a invocação da Lei nos Tribunais Superiores, nos Tribunais Locais e nas instâncias inferiores. 15. Os Tribunais Superiores somente conhecem de matéria prequestionada, nos termos das Súmulas 356 e 282, do STF. Outrossim, é assente que o requisito do prequestionamento não é mero rigorismo formal, que pode ser afastado pelo julgador a que pretexto for. Ele consubstancia a necessidade de obediência aos limites impostos ao julgamento das questões submetidas ao E. Superior Tribunal de Justiça, cuja competência fora outorgada pela Constituição Federal, em seu art. 105. Neste dispositivo não há previsão de apreciação originária por este E. Tribunal Superior de questões como a que ora se apresenta. A competência para a apreciação originária de pleitos no C. STJ está exaustivamente arrolada no mencionado dispositivo constitucional, não podendo sofrer ampliação. 16. Outrossim, os Tribunais Locais admitem o benefício nondum deducta deducendi do art. 517 do CPC, não extensivo às leis novas, que mesmo interpretativas não podem ser invocadas ex novo no Tribunal ad quem, por falta de previsão legal. 17. Nas instâncias originárias, mercê de a prescrição não poder ser conhecida ex officio pelo juiz (art. 219, § 5.º, do CPC e art. 40 da LEF c/c art. 174 do CTN), nas ações de repetição de indébito, após a defesa, somente o novel direito subjetivo (e não o objetivo) e as matérias de ofício podem ser alegadas após a contestação (art. 303, do CPC). 18. Consectário desse raciocínio é que a Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, aplica-se, tão somente, aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial, pelo que o novo regramento não é retroativo mercê de interpretativo. É que toda lei interpretativa, como toda lei, não pode retroagir.Outrossim, as lições de outrora coadunam-se com as novas conquistas constitucionais, notadamente a segurança jurídica da qual é corolário a vedação à denominada “surpresa fiscal”. Na lúcida percepção dos doutrinadores, “Em todas essas normas, a Constituição Federal dá uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal.” (Humberto Ávila in Sistema Constitucional Tributário, 2004, pág. 295 a 300) 19. Sob o enfoque jurisprudencial “o Supremo Tribunal Federal, com base em clássico estudo de COUTO E SILVA, decidiu que o princípio da segurança jurídica é subprincípio do Estado de Direito, da seguinte forma: ‘Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (v.g. art. 2o). Em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe o papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material.'” (ob. cit. pág., 296) 20. Na sua acepção principiológica “A segurança jurídica pode ser representada a partir de duas perspectivas. Em primeiro lugar, os cidadãos devem saber de antemão quais normas são vigentes, o que é possível apenas se elas estão em vigor antes que os fatos por elas regulamentados sejam concretizados (irretroatividade), e se os cidadãos dispuserem da possibilidade de conhecer mais cedo o conteúdo das leis (anterioridade). A idéia diretiva obtida a partir dessas normas pode ser denominada dimensão formal-temporal da segurança jurídica, que pode ser descrita sem consideração ao conteúdo da lei. Nesse sentido, a segurança jurídica diz respeito à possibilidade do cálculo prévio independentemente do conteúdo da lei. Em segundo lugar, a exigência de determinação demanda uma certa medida de compreensibilidade, clareza, calculabilidade e controlabilidade conteudísticas para os destinatários da regulação.” (ob. cit., pág. 296-297) 21. Cumpre esclarecer que a retroatividade vedada na interpretação autêntica tributária é a que permite a retroação na criação de tributos, por isso que, in casu, trata-se de regular prazo para o exercício de ação, matéria estranha do cânone da anterioridade. (ADI MC 605/DF) Ademais, entrar em vigor imediatamente não significa retroagir, máxime porque a prescrição da ação é matéria confluente ao direito processual e se confina, também, nas regras de processo anteriormente indicadas. 22. À míngua de prequestionamento por impossibilidade jurídica absoluta de engendrá-lo, e considerando que não há inconstitucionalidade nas leis interpretativas como decidiu em recentíssimo pronunciamento o Pretório Excelso, o preconizado na presente sugestão de decisão ao colegiado, sob o prisma institucional, deixa incólume a jurisprudência do Tribunal ao ângulo da máxima tempus regit actum, permite o prosseguimento do julgamento dos feitos de acordo com a jurisprudência reinante, sem invalidar a vontade do legislador através suscitação de incidente de inconstitucionalidade de resultado moroso e duvidoso a afrontar a efetividade da prestação jurisdicional,mantendo hígida a norma com eficácia aos fatos pretéritos ainda não sujeitos à apreciação judicial, máxime porque o artigo 106 do CTN é de constitucionalidade induvidosa até então e ensejou a edição da LC 118/2005, constitucionalmente imune de vícios. 23. Embargos de Divergência conhecidos, porém, improvidos.” (voto-vista proferido por este relator nos autos dos EREsp n.º 327.043/DF) Na hipótese dos autos, a recorrente ajuizou a presente demanda em 1998, pretendendo o ressarcimento de valores indevidamente recolhidos a título de ISS, cujos fatos geradores ocorreram no período compreendido entre 1992 a 1995, o que, nos termos dos arts. 168, I, e 150, § 4º, do CTN, revela inequívoca a inocorrência da prescrição, porquanto tributo sujeito a lançamento por homologação, cuja prescrição opera-se 5 (cinco) anos após expirado o prazo para aquela atividade. Consoante se observa, a decisão proferida pelo Tribunal a quo está em dissonância com o entendimento firmado por esta Corte no sentido de que, acerca da prescrição da ação de repetição/compensação dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, deve ser aplicada a tese dos 05 (cinco) mais 05 (cinco), restando irrelevante, para o estabelecimento do termo a quo do prazo prescricional, eventual declaração de inconstitucionalidade do tributo pelo Pretório Excelso, razão pela qual merece acolhida a tese defendida pela recorrente. Ex positis, com fulcro no art. 544, § 3º, do CPC, CONHEÇO do agravo de instrumento e DOU PROVIMENTO ao próprio recurso especial para afastar a prescrição da ação. Publique-se. Intimações necessárias. Brasília (DF), 24 de outubro de 2006. MINISTRO LUIZ FUX Relator |